Texto da Revista Cult sobre o diretor Ingmar Bergman.... segue ae.
Bergman, face a face com a morte
O pecado e a culpa estão de luto. Morreu sem sofrimento hoje, 30 de julho, seu grande porta-voz, o cineasta sueco Ingmar Bergman, aos 89 anos (completados no dia 14), na sua casa da isolada ilha de Faarö. Mas no enterro estarão também coroas de flores da alienação sexual, da falta de comunicação, dos truques da arte, dos mergulhos no íntimo, da loucura, do mutismo, das viagens ao passado, além do coral das batalhas com Deus. A obra de Bergman usou e abusou desses temas; passando pelo prisma do diretor, transformaram-se em mais de 60 filmes para cinema e TV, que se tornaram sinônimo do cinema de arte em todo o mundo, dos anos 50 até sua "aposentadoria" oficial quando terminou Fanny e Alexander em 1982.
Conforme os críticos e estudiosos, era o Shakespeare do cinema, o Kafka ou o Proust da sétima arte. Os paralelos, sempre com os monstros sagrados da literatura. Isso porque Bergman, uma escola de cinema resumida em um só homem, era um cineasta para quem o filme era uma espécie de literatura em imagens, um autor que, vá lá o lugar comum, respirava cinema desde os tempos em que após os sermões da igreja do pai, rígido pastor luterano, ia aos cinemas de Estocolmo ver filmes de Victor Sjostrom ou Julien Duvivier.
Ganhador de vários Oscars, recebeu da Academia de Hollywood o prêmio Irving Thalberg pelo conjunto da obra. Nos anos 70, Bergman chegou ao auge de sua reputação como cineasta, formando uma santíssima trindade de excelência com o italiano Michelangtelo Antonioni e o francês Alain Resnais. Foi a época em que Woody Allen, apesar do seu Oscar recém-conquistado com Noivo neurótico, noiva nervosa, resolveu filmar Interiores, o primeiro de vários dramas que imitavam Bergman e seu clima sombrio.
Nascido em Upsala, em 14 de julho de 1918, de um pai autoritário e uma mãe carinhosa, o que marcou vários dos personagens de seus filmes, Ingmar tinha mania de brincar com uma lanterna mágica produtora de imagens hipnóticas. Não por acaso chamou sua autobiografia de A lanterna mágica. Foi uma revelação desde seus dias de autor estreante no teatro universitário de Estocolmo. Efetivamente, dedicou-se ao teatro, chefiando companhias em Malmoe e na capital sueca, conquistando a reputação de grande encenador de clássicos. O trabalho teatral ocupava nove meses de seus anos; nas suas férias de verão, ele se entregava ao cinema.
Não poucos atores ou técnicos sempre lembraram da sua personalidade hipnótica num set de filmagens. Tudo começou no principal estúdio sueco, Svensk Filmindustri, onde foi procurar emprego de roteirista em começos dos anos 40. Bergman reconheceu que sua ida para o cinema, na época, foi motivada pelo dinheiro. Ele já tinha filhos e ex-mulheres. "Eu era muito pobre então.Uma boa parte dos meus filmes do começo veio da falta de dinheiro."
Falando em ex-mulheres, Bergman era um grande mulherengo. A ponto de, ao fazer a comédia Para não falar de todas essas mulheres, as fofocas dizerem que tinha sido amante das sete atrizes principais. Teve cinco esposas, nove filhos (os conhecidos) e muitas namoradas, algumas das quais transformou em estrelas. A primeira delas foi a jovem Harriet Andersson, de Mônica e o desejo e Noites de circo. Bibi Andersson destacou-se como a musa do cineasta nos anos 50. Encontrou Liv Ullmann em 1964 e dela extraiu uma interpretação magnífica em Persona. Liv foi sua inspiração na década de 70 e ela estrelou obras-primas como o seriado de TV (depois filme) Cenas de um casamento. Além de dirigir os filmes baseados nos dois últimos roteiros de Bergman e de estrelar sua despedida com um filme para TV, Sarabanda, uma espécie de continuação de Cenas de um Casamento.
Seus principais atores ganharam o mundo: Max Von Sydow, Liv Ullmann, Bibi Andersson, Ingrid Thulin, Lena Olin. E Bergman teve de ir para a Noruega e a Alemanha, depois de um problema de impostos com o governo sueco. Lá filmou O ovo da serpente, Sonata de outono (com Ingrid Bergman) e Da Vida das Marionetes. Acabou, porém, voltando ao solo natal, indo morar na retirada ilha de Faarö. Parou de fazer cinema em meados dos 80, limitando-se ao teatro. Escreveu roteiros que foram filmados por Liv Ullmann, seu filho Daniel e Bille August.
Mas mesmo um Bergman não mantém sua reputação sem produzir algumas obras-primas por ano. Ficou como um nome na história do cinema, à medida que outros estilos e outras modas apareciam e desapareciam. Elementos de seus filmes como a visão dos males da alma e a angústia humana diante da morte foram usados à exaustão até pelos que o detratavam.
Começaram a dizer que seus filmes eram teatrais, rígidos, sem lembrar dos prazeres que eles proporcionam, a partir da magnífica fotografia de Sven Nykvist, das fantásticas interpretações como a de Victor Sjostrom em Morangos silvestres, do clima malicioso e irreverente de Silêncios de uma noite de verão, da presença do Mal em O ovo da serpente. Seria possível evocar obras-primas como Gritos e sussurros, O Rosto, Através de um Espelho, A fonte da donzela, A Paixão de Ana e muito mais para responder a esses críticos que privilegiam aspectos superficiais do cinema. Para eles, a resposta dos filmes do sueco é a sobrevida da obra de arte. Grande arte.
THE CHERRY TREE WITH GRAY BLOSSOMS
Há 2 semanas