segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Louis Garrel, o ator-fetiche do cinema francês


Por Lucas Neves

Com apenas 25 anos e 14 longas no currículo, Louis Garrel é hoje o ator-fetiche do cinema francês. O filho do cineasta Philippe Garrel chegou às telas em 1989 pelas mãos do pai, em "Les Baisers de Secours". Ganhou prestígio com "Os Sonhadores", de Bernardo Bertolucci, em 2003. E passou a ser comparado ao Antoine Doinel de Jean-Pierre Léaud por seus papéis em "Em Paris" (2006) e "Canções de Amor" (2007), dois dos cinco longas de Christophe Honoré em que atuou. A seguir, a íntegra da entrevista que Louis concedeu à Folha por telefone, devido ao lançamento de "A Fronteira da Alvorada" neste final de semana.

Em entrevista à revista "Cahiers du Cinéma", você disse sentir que ainda lhe falta traquejo para construir seus personagens ("fisicamente, ainda preciso me libertar"). Onde é mais difícil fazer isso: no teatro, com sua companhia D’Ores e Déjà, ou no cinema?
Quando fiz esse comentário, estava opondo os atores americanos aos europeus. Mesmo no cinema comercial, posso me interessar por produções americanas unicamente por conta dos atores. Ainda que o filme não seja tão interessante, o trabalho dos atores em determinadas produções é autoral, de composição. No cinema europeu, raramente tenho essa impressão. Na França, não temos escolas de atuação para o cinema. Quando aprendemos a atuar, é para interpretar a tradição, o repertório teatral. Talvez isso esteja ligado ao fato de [o diretor] Robert Bresson ter representado um grande momento para o cinema francês trabalhando essencialmente com amadores. Por isso, muitos diretores pensam que os atores não são indispensáveis para se fazer um bom filme.

Com tantas participações em filmes nos últimos anos, sobra tempo para se dedicar à companhia teatral?
O que é bom é que ela é composta de pessoas muito próximas a mim, amigos que vejo o tempo todo. Houve um trabalho do qual não pude participar porque estava envolvido em outros projetos, mas voltaremos a trabalhar juntos. Queremos seguir a trilha de Ariane Mnouchkine [diretora do grupo Théâtre du Soleil]. Ela cria um tema com sua trupe, que improvisa em cima disso. São criações coletivas, que não partem de textos que já existem.

O que há de comum entre você e o fotógrafo François de "A Fronteira da Alvorada"? Você também se esquiva de um estilo de vida burguês?
François é um hipersensível, como eu. Para apreciar este filme, pelo que percebi, é preciso ter essa sensibilidade de ouro. Quanto ao casamento burguês, claro, é algo de que sempre temos medo aos 20 anos: o dia em que seremos engolidos pela máquina social. Li um livro bonito do sueco Stig Dagerman sobre isso, "Notre Besoin de Consolation Est Impossible à Rassasier" [nossa necessidade de consolação é insaciável].

Como filmar com seu pai [Philippe Garrel, diretor de "A Fronteira..." e "Amantes Constantes"] é diferente de fazê-lo com outros diretores?
Acho meu pai um gênio. Ele acessa o cinema a um só tempo como pintor e poeta. É muito emocionante, belo e inspirador ver um poeta pintor que faz filmes. Já Christophe Honoré [com quem rodou cinco filmes até agora, dentre os quais "Em Paris" e "Canções de Amor"] é impulsionado pela literatura.

Você tem interpretado bon vivants que esquecem os males do coração embarcando em novas paixões. Soa como um Antoine Doinel [personagem de filmes de Truffaut como "Beijos Proibidos" e "Amor em Fuga"] dos anos 2000, não? Enquanto admirador confesso de Jean-Pierre Léaud [intérprete de Doinel], como vê essa comparação?
Sou mais que um admirador de Jean-Pierre Léaud, sou um aficionado. Deveria fazer um período de desintoxicação em Léaud, porque sou dependente. A questão é que, se puder dar às pessoas a gana de viver a vida como uma aventura como Doinel me deu, ficarei feliz.

Dentre seus dez filmes mais recentes, só três não foram dirigidos por Honoré ou seu pai, Philippe. Quais são seus critérios para aceitar um papel? O que pensa sobre o cinema francês atual?
Não tenho um método específico [para escolher papéis]. Não tenho uma idéia concreta sobre o cinema francês, mas é fato que tudo é condicionado pelo que vivemos no país. Como todos na França estão um pouco entediados, acho que o cinema reflete isso. Neste momento, ele é encarado como entretenimento, o mote da hora é divertir as pessoas. Mas não é por ser comercial que um filme vai ser ruim. Não há regras. É preciso que se sinta uma coisa real que o diretor queira contar, para além de a história ser boa ou ruim.

Você atuou em dois filmes que se passam durante o Maio de 68 ["Os Sonhadores" e "Amantes Constantes"]. Recentemente, disse que, em se tratando de imigração, o governo francês "está em estado de psicose coletiva. Qual é a sua relação com a política e quais são suas impressões sobre a França de Nicolas Sarkozy?
Acho muito perverso da parte de Nicolas Sarkozy se valer do problema da imigração para chegar ao poder. Não é algo que se possa resolver com dez frases. É eterno esse desejo de ver alhures, de se deslocar. Mas ele encara isso como um problema, para o qual haveria basicamente uma solução: pôr para fora quem vem comer o pão dos outros. Que hoje na França se vá perseguir pessoas nas escolas (nossas crianças e seus pais) é muito perverso e dá ao país uma tensão.


E como o cinema deve tratar essas tensões sociais?
Pode haver cinema militante, mas não acho que seja uma tarefa do cinema falar disso. Prefiro ouvir sociólogos, antropólogos e historiadores sobre essa questão, para que nos restituam a complexidade dessa história de migrações, movimentos de populações de um país a outro. Não cabe ao cinema resolver essas questões. Quando fazemos esse tipo de filme, fica meio chato. Não podemos querer que se faça exclusivamente cinema social.

Mas Abdellatif Kechiche (diretor de "O Segredo do Grão", tunisiano radicado na França) não é um exemplo de que se pode falar de questões sociais sem ser enfadonho?
É verdade, ele fez algo magnífico. "L’Esquive" [longa anterior de Kechiche] nos informou que gírias de certos grupos sociais franceses têm tantas sutilezas quanto a língua oficial. Podem ser sensuais, falar de amizade, ser complexas. Isso foi uma descoberta genial. Um filme deve sempre empreender uma busca; se se fizer uma descoberta como essa que Kechiche fez, já terá sido algo enorme.

"Ma Mère", de Christophe Honoré, e "Os Sonhadores", de Bernardo Bertolucci, transformaram você em sex-symbol do novo cinema francês. Esse rótulo o incomoda?
Tenho uma relação particular com o cinema: gosto de ser erotizado por um filme. Não tenho amarras artísticas. Fico feliz em vir participar dessa erotização. É estimulante ser excitado por um filme, pelos objetos de desejo de atrizes e atores.

Você disse à "Cahiers" que gostaria de ir trabalhar nos EUA. Mas em Hollywood, fala-se muito de si próprio, de sua intimidade, coisa que você não gosta de fazer em entrevistas...
Se fosse para trabalhar com James Gray [de "Os Donos da Noite"], não ligaria em falar quanto calço.

Com que outros diretores americanos gostaria de trabalhar?
Wes Anderson e Judd Apatow e sua trupe.

Você estreou na direção neste ano com o curta-metragem "Mes Copains" [meus camaradas]. Tem vontade de dirigir mais?
Sim, quero fazer mais curtas com minha companhia teatral.

FONTE: Ilustrada no Cinema
http://ilustradanocinema.folha.blog.uol.com.br

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